Uma leitura de “O Homem da multidão”, de Edgar Allan Poe

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A Literatura e a Sociologia podem render bons encontros e nos ajudar a compreender de forma mais ampla o contexto social. Neste breve texto, propomos uma pequena leitura sociológica do “Homem da multidão” de Poe, com o auxílio de alguns conceitos de George Simmel.

O Homem da multidão

Em uma grande cidade, certo indivíduo observa uma multidão que passa diante dos seus olhos. Um movimento típico do fenômeno urbano. Como distração, tenta classificar os passantes por meio dos mais diversos tipos e enquadramentos sociais.

A descrição nos dá conta de expressões carrancudas e obstinadas. Alguns gesticulavam, aparentemente falando consigo mesmos, como se estivessem sós no meio da multidão. É notável a falta de conexão entre esses indivíduos, que, mesmo quando chegam a se esbarrar, se cumprimentam amistosamente e seguem seu caminho apressadamente.

De repente, um rosto em especial lhe chama a atenção. Um senhor idoso, cuja descrição da fisionomia, ao contrário do que o autor nos leva a crer, provavelmente não o distinguiria fortemente de qualquer outra das pessoas que por ali transitavam. Em todo o caso, ele sente o impulso de levantar e seguir aquele homem.

Tem início o seu estudo mais aprofundado daquela personalidade. O homem da multidão, seguido desajeitadamente, dadas as condições, não faz nada de diferente ou inesperado. Após seguir o desconhecido por várias horas, nosso “analista social” atribui, como uma de suas principais características, a necessidade de estar sempre no meio da multidão. Sempre que uma aglomeração começa a dispersar, há uma manobra para ir de encontro a outro aglomerado.

Uma leitura sociológica

Lendo o texto a partir de uma perspectiva sociológica, é possível dizer que o conto de Allan Poe retrata o ambiente que Simmel analisa no seu texto “A metrópole e a vida mental”, sobretudo no que diz respeito à atitude “blasé”, dos indivíduos que vivem nas grandes cidades. De fato, ambos estavam observando o mesmo período histórico no mundo ocidental. Um através da literatura, o outro da Sociologia.

Poe não fala do contexto social, nem das implicações das tecnologias no comportamento. Nós que estamos tentando fazer essa ligação com ajuda da Sociologia. O conto “O Homem da multidão” foi publicado em 1840. O século XIX viveu a plena expansão da urbanização, da industrialização e todas as transformações tecnológicas e sociais surgidas nesse contexto. Mudanças cujo desenrolar podemos ver claramente hoje em dia, em crescimento acentuado.

Assim como alguns livros não se deixam ler, alguns segredos não se deixam revelar. Essa é uma das mensagens do conto de Poe. O mistério que envolve cada um de nós em uma sociedade moderna, com tantas informações e tantas pessoas, constituindo um universo infinito de informações. Por fim, sobressai a necessidade de fixar o olhar em algo ou em alguém. E por mais comuns e banais que sejam, elas despertarão um interesse imenso.

É curioso notar que as tecnologias de informação tenham evoluído tanto no sentido de publicizar a vida privada de todos. Nessa imensa casa de vidro, que se tornou o mundo das redes sociais, enfim, os mistérios de Poe estariam resolvidos. Entretanto, isso teve um preço.

Talvez a fragilidade ou falta de conexão, típica do mundo moderno, traga consigo o leve desespero de não conseguirmos uma conexão satisfatória com os outros, mesmo que existam tantas possibilidades quanto pessoas passando diante de si. Estaria o homem da multidão buscando alguém semelhante a si?