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A quantidade de estímulos que recebemos diariamente é inédita na história da humanidade. Ferramentas como o smartphone nos tornaram disponíveis 24 horas por dia. A velocidade da vida aumentou vertiginosamente e nós perdemos a medida do descanso e da intimidade. A exaustão provocada por este processo nos jogou na sociedade do cansaço.
Um lugar onde a pressa caminha de mãos dadas com o sentimento de não poder dar conta de tudo. No qual o medo de ficar de fora ou estar perdendo algo muito importante é sintoma generalizado. As referências que tínhamos, antes próximas, se fragmentaram, agora estão em toda a parte e em lugar nenhum.
O correr da vida me fez tomar conhecimento do livro de Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, que trata do tema e tem sido valioso para a compreensão do que vivenciamos atualmente. É possível que suas reflexões sobre o espírito do tempo atual nos ajudem a encontrar a saída desse espaço onde a luz das telas tem nos ofuscado a visão para todo o colorido do mundo.
O excesso de positividade
Em tempos de disponibilidade integral, é difícil dizer não. Desconectar, estar ausente, não é uma alternativa. Atualmente, não conseguimos filtrar os estímulos que nos atingem todo o tempo e, mesmo que conseguíssemos, provavelmente não iríamos sentir vontade de fazer isso.
As redes sociais e o seu modelo de economia da atenção, no qual estamos imersos, são o espaço do excesso de positividade por excelência. O livro é de 2010 e, desde sua publicação, a situação ficou ainda mais complexa. Agora, além do lazer, das relações afetivas e de trabalho, praticamente todos os campos das nossas vidas acontecem ou são ditados nesses ambientes virtuais.
Tudo o que nos deixa indisponíveis, portanto, nos impede de responder aos estímulos que chegam sem parar por meio das notificações do smartphone tem sido evitado. A incapacidade momentânea de responder a uma das centenas de notificações tem gerado altos níveis de ansiedade nas pessoas.
Ato contínuo, impõe-se a necessidade de emitir uma opinião para todo e qualquer acontecimento que esteja nos trends. Não importa o tema ou se temos ou não algum conhecimento mais aprofundado sobre ele, é preciso demarcar posição e postar um ponto de vista. No caso de temas relacionados à política, a necessidade de resposta parece ser ainda mais urgente.
Na verdade, esse é um quadro de aparência. Vivemos, na realidade, em uma sociedade que exige de nós um esforço sobre-humano para acompanhar tudo e todos, na qual toda a negatividade foi suprimida.
Dessa forma, precisamos reconhecer que a ausência, o afastamento e a capacidade de dizer não são fundamentais para podermos viver bem. Devemos refletir sobre a importância de valorizarmos um mínimo de privacidade em certos espaços e momentos da vida. Pois, sem um descanso mínimo, nos desgastamos. O excesso de positividade pode ser psicologicamente devastador.
A cultura da autoexploração
Na sociedade do cansaço, todas as esferas das nossas vidas estão imersas nessa mesma lógica. No mundo do trabalho não seria diferente. Nele também, as relações são precárias e não se pode dizer não, ainda que já estejamos sobrecarregados. Lembremos que os empregos são precários, as relações instáveis e quase ninguém consegue prever o que vem logo adiante.
Muitas pessoas trabalham em áreas diferentes daquelas nas quais se formaram, fator que pode gerar uma insegurança muito grande no cotidiano das suas funções. É sempre importante refletir que, para dominar uma profissão e sentir segurança no que fazemos, precisamos de tempo e certa estabilidade. A incapacidade ou mesmo a incerteza de poder se manter por muito tempo em uma profissão gera uma ansiedade enorme.
Nesse contexto, perde-se a compreensão de que existem determinadas questões das nossas vidas que seriam melhor resolvidas coletivamente. As formas de representação, como sindicatos ou associações profissionais, estão fora de moda. Na verdade, vivemos a era do empreendedorismo. Trabalhar em uma empresa e ter sua carteira de trabalho assinada parece coisa do passado. A moda é ser “livre” e trabalhar por meio de aplicativos, em um contexto sem horários ou quaisquer garantias sociais.
Surge o sujeito do desempenho. Alguém que está sempre disponível e correndo atrás do trabalho e, dada a instabilidade da sua condição, está sempre pensando em alternativas. Nessas condições, além das dificuldades de viver no presente, o indivíduo também vive e precisa gerenciar o seu futuro incerto.
É possível que essa sociedade da produtividade e da eficiência contribua para o elevado número de pessoas com síndrome de burnout e outros transtornos psicológicos. A ilusão da liberdade, que faz com que cada um assuma responsabilidades que são do conjunto da sociedade, como, por exemplo, ter que pagar pela própria aposentadoria, cobra um preço muito caro.
É possível uma saída da Sociedade do cansaço?
A crítica de Han se dirige a um tipo de cansaço que se dá pelo isolamento do indivíduo. Ironicamente, o excesso de meios de comunicação tem nos isolado e a quantidade assombrosa de informações que temos à nossa disposição tem nos alienado e consequentemente nos embrutecido. Os smartphones são quase uma parte do corpo humano e, devido aos seus aplicativos que causam dependência, estamos vendo uma espiral ascendente de todos os problemas elencados.
Por fim, é importante dizer que a sociedade do cansaço não existe fora do modelo de capitalismo atual, da financeirização, do neoliberalismo, da economia de plataformas, da destruição do meio ambiente e da precarização da vida humana. Como resultado, fake news, deep fakes e polarização são termos que fazem parte do cotidiano. Eles vêm mudando as realidades de pessoas, de países e do próprio mundo.
É difícil antever uma saída para esse quadro distópico. No entanto, anos depois da publicação da obra, percebemos a intensificação do que está descrito nela. O autor retrata várias questões em outros livros publicados posteriormente, nos ajudando a compreender a complexidade dos tempos atuais. A impressão é de que estamos cada vez mais isolados e que a própria civilização está entrando em crise. Há uma descrença geral na política e nas instituições. Infelizmente, as democracias se deterioram a olhos vistos.
Espero que, tendo um final feliz, diferente do conto de Bartleby, o célebre personagem de Melville citado por Han no penúltimo capítulo do livro, em algum momento possamos aprender também a dizer “Eu preferiria não”, e que, a partir daí, o equilíbrio se reestabeleça.