Conhecer o contexto histórico do surgimento da Sociologia é importante para quem pretende conhecer melhor esta disciplina. A sociologia é antes de tudo uma tentativa de compreensão da vida em sociedade. Nos fornece alguns pontos de vista — teorias e análises — que nos permitem entender melhor as relações estabelecidas entre os indivíduos e a sociedade, bem como a dinâmica entre os diferentes grupos sociais.
Tem um importante papel de nos permitir desnaturalizar determinadas relações que, do contrário, poderíamos julgar como naturais ou imutáveis. Estudando sociologia, percebemos que fatos como a pobreza, o preconceito, o patriarcalismo, por exemplo, não surgem do nada. São construções sociais que nascem das dinâmicas estabelecidas social e historicamente por determinados povos.
Isso é possível porque a sociologia nos convida a fazer um estranhamento da realidade na qual estamos inseridos. Observar a realidade social com certo distanciamento, ou como se fosse pela primeira vez, nos ajuda a enxergar elementos e contradições sociais que estavam ali o tempo todo, que por vezes influenciam demasiadamente nossas vidas, mas sobre os quais simplesmente nunca havíamos pensado antes.
Trata-se de uma forma de pensar com base na racionalidade. O seu surgimento decorre de um conjunto de transformações sociais muito específicas ocorridas na Europa, e que levaram ao que se chama de modernidade. Certamente, compreender esse contexto é importante para podermos entender de que forma a sociologia pode nos ajudar a conhecer melhor a nossa própria realidade com o seu auxílio.
A modernidade e o contexto histórico do surgimento da Sociologia
O surgimento da modernidade é um fenômeno social bastante complexo. Envolve transformações históricas, econômicas, políticas e também do pensamento, formas de ver e compreender o mundo. Esses fenômenos não estão necessariamente ligados entre si. Entretanto, eles representam uma mudança profunda no contexto social vigente, que levou a Europa e boa parte do mundo a mudar suas formas de viver.
Sendo assim, conhecer esse contexto histórico é importante para compreendermos a nossa própria realidade, uma vez que muito do que aconteceu lá influencia boa parte do mundo até hoje. Pelas limitações de tempo e espaço deste texto, nos limitamos a citar somente alguns que entendemos fundamentais, e ainda assim brevemente.
Renascimento, Imprensa de Gutenberg e Reforma Protestante
Com o renascimento entre os séculos XIV e XVI surge uma nova forma de olhar a vida em sociedade. Buscando referências na antiguidade clássica, Grécia e Roma antigas, surge um conjunto de ideias humanistas que permitem repensar a humanidade através do conhecimento mediante vários aspectos, como o filosófico, o biológico, o artístico, dentre outros.
No mesmo período, meados do século XV, uma invenção muito importante para a disseminação do conhecimento surge, a imprensa de Gutenberg. Acontecimento fundamental, por exemplo, para a disseminação de ideias no contexto da Reforma protestante, no século XVI.
A Reforma protestante foi um acontecimento histórico importante no que diz respeito à transformação social na Europa. A partir de mudanças no pensamento ocorridas no seu contexto, que divergiam da Igreja católica medieval, as formas de compreender o mundo mudam em muitos aspectos. Para quem tem interesse em compreender a contribuição da Reforma nesse contexto, recomendo a leitura do livro: ‘A ética protestante e o “espírito” do capitalismo’, de Max Weber.
O iluminismo
Na França, o iluminismo, no século XVIII, amplia um conjunto de reflexões sobre a vida em sociedade. Os nomes pelos quais o movimento é conhecido nos dão ideia do porquê. Ele também foi conhecido como século das luzes, ilustração e também por esclarecimento. A circulação de ideias humanistas chega a um ápice nunca visto.
Surgem associações literárias, científicas e artísticas. A ideia de conhecer e representar a condição humana sob diversas formas foi revolucionária para a cultura de maneira geral e até hoje somos herdeiros dessa tradição intelectual em vários aspectos.
Como resultado, as ideias que sustentavam o mundo medieval deixam de prevalecer sobre a sociedade. A influência da igreja católica perde força, sobretudo a partir da Reforma, mas em muito também a partir da divulgação do pensamento humanista, fruto da tradição de pensamento que vem desde a tradição renascentista.
A era das revoluções
Do ponto de vista político e econômico, dois acontecimentos históricos são fundamentais para a consolidação da modernidade. A revolução francesa de 1789 e a revolução industrial, também ocorrida no século XVIII.
A revolução francesa contribuiu amplamente para o processo de consolidação da modernidade por seu papel de estabelecimento do Estado moderno. Esse evento histórico marca o fim da velha ordem feudal no que diz respeito à organização política. Em decorrência deste evento, se dá a separação entre Estado e Igreja, a divisão dos poderes e as bases para o modelo de estado democrático que conhecemos e no qual vivemos atualmente.
A revolução industrial, por sua vez, surgida na Inglaterra, muda a forma de produzir e consumir. O ganho do capital passa a ser o motor da sociedade. O mercantilismo, a colonização e a exploração do trabalho escravo nas colônias renderam um acúmulo de capital inicial que permitiu o desenvolvimento de um modelo de produção baseado nas máquinas e não mais na terra.
A vida e a organização social diante dessas mudanças
Esse contexto mudou profundamente as bases políticas, econômicas e culturais. O modelo de vida medieval, com sua religiosidade, formas de lidar com a natureza, produzir a existência, muda de forma dramática. Podemos compreender esse quadro refletindo sobre as noções de tempo e espaço nessa transição.
O tempo, antes baseado na agricultura, respeitando as estações do ano para plantação e colheita, se torna o tempo do relógio da fábrica. O espaço aberto, característico do trabalho com a terra, dá lugar aos espaços fechados típicos da vida na cidade, as moradias minúsculas.
As primeiras cidades surgidas nessa nova configuração estavam muito distantes do nosso modelo urbano atual, que mesmo após séculos ainda tem muitos problemas. O lugar de trabalho era completamente insalubre, com as pessoas trabalhando em jornadas de trabalho que tomavam praticamente todo o tempo desperto dos indivíduos.
Portanto, o resultado desse processo foi o caos. As garantias sociais existentes no feudalismo, mesmo este sendo um sistema social injusto devido às desigualdades existentes, foram desmanteladas. O sistema nascente também traz como marca a desigualdade social. Era o momento de ascensão da classe burguesa e também da formação do proletariado, ou a classe trabalhadora.
As tentativas de compreender
O sofrimento dos trabalhadores nas fábricas nascentes já era objeto de análise de pensadores sociais da época. Problemas como as jornadas de trabalho extensivas e sem condições de segurança e higiene, a violência, a fome e a desestruturação das famílias, o aumento da criminalidade, dentre outros, sensibilizavam e pediam soluções.
Mas as velhas formas de compreender o mundo pareciam não servir mais para explicar um contexto social tão diferente. Para alguns intelectuais, o pensamento religioso, a própria filosofia e mesmo outras ciências que se desenvolviam naquele momento não conseguiram sanar a curiosidade de estudar as relações sociais de uma forma diferente.
Dessa forma, são elaboradas teorias para explicar essa nova configuração social. Se fortaleceu a compreensão da necessidade da existência de uma ciência particular para estudar a sociedade. No que diz respeito à criação de uma visão sociológica, cabe citar Auguste Comte (1798–1857), formulador da corrente de pensamento positivista, e Émile Durkheim (1858–1917), um dos responsáveis pela transformação da sociologia em uma disciplina acadêmica.
Por fim, podemos dizer que a Sociologia nasce de uma tradição de pensamento aberta, racional, ligada à ciência e a uma ideia de transformar a sociedade em um espaço com melhores condições de vida e de convivência humana.
Eis, de forma bastante resumida, o contexto histórico do surgimento da Sociologia, que desde então se tornou uma disciplina independente.
Algumas referências de livros para aprofundamento
Existem muitos livros que abordam este tema. Abaixo listo alguns, a maioria deles introdutórios, muito conhecidos e utilizados por professores e estudantes de sociologia para compreender o contexto histórico do surgimento desta disciplina. A leitura deles no decorrer da minha vida de estudante de sociologia me ajudou a chegar ao entendimento apresentado neste texto.
CASTRO, Anna Maria de; DIAS, Edmundo F. Dias. Introdução ao pensamento sociológico. Rio de Janeiro: Eldorado, 1981.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. São Paulo: Artmed, 2005.
MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.
QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Marcia Gardenia de. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.